THE MERCHANT OF VENICE (O Mercador de Veneza), de Michael Radford, (GBR - 2004)



Merchant of Venice (The) (O Mercador de Veneza) (2004), de Michael Radford (GBR) 

"A talhe de foice, relembremos que víramos em 2002, uma belíssima representação, pela carismática Companhia de Teatro de Almada, de “O Mercador de Veneza”, encenada por Joaquim Benite. A prova de que uma pequena companhia, sediada num modesto espaço (*)– o Teatro Municipal, consegue fazer um magnífico espectáculo, excelentemente interpretado, e retirando da peça uma leitura progressista."
(*) o então velho Teatro Municipal, hoje Teatro Estúdio António Assunção

Do cineasta já havíamos visto “The White Mischief” (1987), um excelente filme de época, retrato do colonialismo inglês nas Áfricas, onde a belíssima Greta Scacchi brilhou, e o enorme sucesso de público e crítica, “Il Postino” (O Carteiro de Pablo Neruda) (1995), com Massimo Trosi no inesquecível papel de Mário, o carteiro, seu derradeiro desempenho aliás, vindo a falecer antes da estreia, e Philippe Noiret, magnífico, na figura de um dos grandes poetas do século XX, Neruda, no seu exílio na Ilha Negra, em vésperas da vitória nas urnas da Unidade Popular, no Chile, que todavia em breve seria aniquilada pelo golpe fascista de um militar traidor apoiado pela CIA, Pinochet, com o assassínio do Presidente Salvador Allende e de milhares de militantes de esquerda.

A adaptação da famosa, e muito controversa, peça homónima de William Shakespeare (1596), é o seu último trabalho. E diga-se desde já que excelente. 



A talhe de foice, relembremos que víramos em 2002, uma belíssima representação, pela carismática Companhia de Teatro de Almada, de “O Mercador de Veneza”, encenada por Joaquim Benite. A prova de que uma pequena companhia, sediada num modesto espaço – o Teatro Municipal, consegue fazer um magnífico espectáculo, excelentemente interpretado, e retirando da peça uma leitura progressista.

É conhecido o argumento: um mercador de Veneza (António / Jeremy Irons), pede um empréstimo avultado a um negociante judeu (Shylock / Al Pacino) para satisfazer um jovem amigo íntimo (Bassânio / Joseph Fiennes), para que este possa cortejar a bela Pórcia, princesa de Belmonte, a quem o pai, antes de morrer, manifesta o desejo que o pretendente a marido de Pórcia, seja indicado através da escolha de um de três cofres, de ouro, prata e chumbo, um dos quais conteria o retrato de Pórcia e consequentemente a possibilidade de quem o escolhesse ser por seu turno o escolhido para noivo da princesa. Mas Shylock exige a António como penhor da dívida uma libra de carne do seu corpo. António aceita. 

Por azares da fortuna naufragam os navios de António. E, na impossibilidade de satisfazer a dívida no prazo fixado, vê-se confrontado com o desejo de Shylock a cobrar. Entretanto Bassânio é o escolhido por Pórcia por ter passado no teste dos cofres (que Freud viria a analisar em célebre artigo...). Shilock leva a tribunal, presidido pelo Doge de Veneza, a cobrança de divida. Mas Pórcia, travestida de advogado, salva António e quem acaba por ser condenado é Shylock... 

A peça, escrita no século XVI, tem sido considerada por muitos como anti-semita. No entanto veio pôr em questão a segregação social de que os judeus eram vítimas na época, como depois ao longo de séculos, culminando no século XX, com o seu extermínio em massa pelos nazis, durante a Segunda Grande Guerra Mundial, Holocausto, onde pereceram alguns milhões, juntamente com os opositores políticos ao fascismo hitleriano e outras minorias étnicas – os ciganos. 

O conflito religioso entre judeus e cristãos, está na base da perseguição de que os primeiros têm sido vítimas ao longo do tempo.

Mas, complicando ainda mais a questão, a comunidade judaica, foi forçada, por razões de sobrevivência, a actividades económicas de usura e empréstimo, conferindo-lhe um aspecto pouco simpático aos olhos da população. 

A peça de Shakespeare assenta em tudo isto e no compreensível ódio que as vítimas (os judeus) têm aos opressores (os cristãos). Mas como sempre neste famoso dramaturgo, a complexidade da sociedade e do homem, nas suas relações com o seu semelhante, estão presentes (e actuais, cinco séculos depois...). No final, na então liberal (à época) Veneza, as leis e a justiça conseguem ser torneadas (como sempre) pelos mais fortes, e acaba por ser Shylock, o judeu, quem irá afinal ser punido, perdendo os seus bens a favor de quem lhe devia – o mercador de Veneza, António. 

Numa comparação entre os dois espectáculos que vimos ultimamente de “O Mercador de Veneza”, o de Almada tem um carácter marcadamente mais político, centrado na figura de Shylock (Francisco Costa), e na ignomínia de que os judeus têm sido vítimas, utilizando magnificamente o enorme peso que a representação teatral permite, enquanto Radford, embora sublinhando esse aspecto se centra mais em toda complexidade das várias personagens, não esquecendo a dúbia relação entre António e Bassânio. A não perder.

Corte Inglês, 15abr05

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