LES RÊVEURS (THE DREAMERS) (Os Sonhadores), de Bernardo Bertolucci, (ITA - 2003)
Les Rêveurs (The Dreamers) – Os Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci, ITA
"Bertolucci surgiu em grande forma nesta obra, numa homenagem também ao cinema, através da cinefilia dos seus personagens, e mais uma vez com o seu gostinho especial pela provocação às mentes conservadoras, com o seu voyeurismo descarado. Sem dúvida do melhor cinema de 2004 que vimos."
Trata-se de mais um belíssimo filme de Bertolucci, o celebrado autor de “Novecento”, da “Estratégia da Aranha”, de “Prima della Rivoluzione” (Antes da Revolução), de “Il Conformista”, de “Sheltering Sky (The)” (Um Chá no Deserto), de “Imperador (O)”, de “Pequeno Buda (O)” ou de “Last Tango in Paris”, entre outros.
Se desta vez o cineasta se debruça sobre uma juventude algo rebelde, nascida em famílias burguesas, que sabe de cor as cenas e os diálogos dos grandes clássicos do cinema, vistos nos ecrãs do Palácio Chaillot, na Cinemateca, que discute (muito à época) se Chaplin é melhor Buster Keaton ou vice-versa, que é influenciada pelos generosos ideais da Esquerda, mesmo que muitas vezes mal assimilados, e quer passar à prática o amor livre então na moda, porém Bertolucci nunca esquece o pano de fundo em que se movem as suas personagens. Desta vez nada menos nada mais que os electrizantes meses do Maio de 68, na França gaullista, com a revolta estudantil, com muito de anárquico e esquerdista.
Dois irmãos, uma rapariga e um rapaz franceses, e um jovem norte-americano a estudar em Paris, são os “heróis” do filme, começando por aparecer nas manifs de Chaillot contra a demissão de Henri Langlois, curiosamente um conservador mas que acaba por simbolizar a defesa da Cinemateca contra o governo da direita, e que acaba por ser demitido por aquele que fora anos atrás um escritor ícone da esquerda, André Malraux, herói em Espanha, em defesa da República e da Democracia contra as hordas fascistas de Franco, apoiadas pelos nazis e pela Igreja Católica, e se viria a passar, muito depois, para o outro lado da barricada, aceitando ser um ministro da cultura e indefectível apoiante de De Gaulle.
Envolvidos numa experiência sexual nova para eles, esquecem momentaneamente o ambiente escaldante das ruas, só vindo a aparecer muito mais tarde, quando as barricadas já estão erguidas e a polícia de choque se prepara para enfrentar os estudantes com extrema violência. E para Bertolucci, os dois irmãos não poderiam deixar de estar na primeira fila, entre os elementos mais radicais que desafiam abertamente a polícia e irão mesmo lançar os primeiros cocktails molotov que despoletam a inevitável carga policial. Quanto ao jovem norte-americano, influenciado por ideias pacifistas, desaparece na multidão.
A história veio a mostrar que afinal os radicais de 68 cedo mudaram de cor e se integraram numa sociedade que, em certos aspectos, se viria a transformar para pior do que aquela, que, muito justamente, criticavam.
Quanto a Bertolucci surgiu em grande forma nesta obra, numa homenagem também ao cinema, através da cinefilia dos seus personagens, e mais uma vez com o seu gostinho especial pela provocação às mentes conservadoras, com o seu voyeurismo descarado. Sem dúvida do melhor cinema de 2004 que vimos.
Ávila, 4fev05

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