KLIMT, de Raoul Ruiz, (2006)

KLIMT (2006), de Raoul Ruiz, (AUST/FRA/ALE)

Gosto muito do cinema de Ruiz, cineasta chileno, que ganhou notoriedade internacional depois do golpe fascista de Pinochet no seu país, que o obrigou ao exílio europeu, em primeiro lugar porque me faz pensar, depois porque o seu cinema, de autor sem dúvida, procura sempre uma resposta formal inovadora, às vezes brilhante, ao que o cineasta quis filmar.

Com este filme sobre o pintor vienense Gustav Klimt (1862-1918) Ruiz constrói outra obra fascinante. Através das recordações e principalmente dos sonhos do seu personagem (outra grande interpretação de John Malkovich) Ruiz descreve Klimt e o ambiente que rodeou as suas últimas décadas de vida, na Viena na transição para o novo século XX e início deste. 



Ao contrário do que dizem os críticos ultra-conservadores, que nunca viram Ruiz com bons olhos, (Eurico de Barros e Pedro Mexia no DN, “…falta…uma contextualização mínima da época em que viveu e pintou, e no seu clima artístico-cultural” DN, nota crítica do primeiro citado) Ruiz descreve com exactidão a estranha Viena, onde coexistem a criatividade mais audaciosa e o conformismo mais reaccionário, o cosmopolitismo da sociedade e a corrente pré-fascista em ascensão, o turbilhão dos prazeres e o pressentimento do fim, a aparente perenidade do Império e os sinais da sua desagregação iminente (cena do esqueleto no início do filme e que se repetirá perto do fim) (confrontar com Guy Sacarpetta, Positif, jun06, que admite ser este o mais político de todos os filmes do mestre chileno). 

Racismo e xenofobia em ascensão na sociedade são claramente mostrados pelo cineasta, na relação de Klimt (que não era racista, nem xenófobo, bem pelo contrário) com a sua amante judia, de quem tem filhos, e no extraordinário episódio dos miúdos chineses e do seu avô pintor, que irá influenciar a pintura de Klimt.

E a alegoria do tocador de flauta de Hamelin, que fascina as crianças e as conduz à morte, é uma evidente referência ao que Hitler dentro de pouco mais de uma década irá fazer ao povo austríaco e alemão (teria sido isto também que os críticos do DN não gostaram, conhecendo-se as suas simpatias?).

Ao contrário do que eles dizem, o filme é duma riqueza de detalhes enorme. Apenas lembrar entre muitos, a relação de Klimt com o nascimento do cinema através da sessão a que assiste fascinado, conduzida por Méliès.

Outro aspecto do filme a citar é o seu intenso erotismo, o excesso de prazeres, alguns rebuscados e perversos, características de fim de época, na sociedade em que Klimt viveu e que influenciou a sua vida e obra. Ruiz, como grande cineasta que é, mostra-o sem peias, mas com a elegância do mestre. O que faz com que a tal crítica conservadora acuse o filme de pornográfico!!!

Para quem goste de cinema de qualidade, que faça pensar, por favor não perca.

Monumental, 29jul06

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