CACHÉ (Nada a Esconder), de Michael Haneke (AUS-FRA - 2005)
Caché (Nada a Esconder), de Michael Haneke, (AUS/FRA)
O autor, Michael Haneke, austríaco é um dos principais nomes do cinema europeu, mas a trabalhar neste momento em França, e cuja penúltima obra, “A Pianista”, com a diva Isabelle Hupert, é outro filme notável e de grande êxito de público.
A primeira obra vista em 2006 a merecer imediata colocação na lista dos DEZ MAIS e, provavelmente, virá a ser um dos melhores filmes do ano.
O título português é contrário à ideia central do filme, sobre o que existe “escondido” (caché) em muitos seres humanos, por algo que fizeram e de que se arrependem ou que lhes fizeram e de que não gostam de falar por o considerarem humilhante.
No caso limite deste filme o principal personagem arrosta desde a infância com a culpa de ter cometido deploráveis acções, de óbvia conotação racista, que prejudicaram irremediavelmente outro jovem (ainda que fossem crianças), mas que mais tarde nada faz para mudar (o que se revela em situações de crise; veja-se paradigmática cena com o rapaz negro, ciclista, que ele insulta sem razão), mas também a sociedade francesa, que esconde no seu passado horríveis crimes cometidos contra os emigrantes (neste caso argelinos e durante a Guerra da Argélia, 300 mortos numa repressão em 1961 durante uma manif em Paris, em pleno Gaullismo, acontecimento de que os franceses não gostam de falar).
“Caché” é também um filme muito sério sobre o terrível poder das imagens, e da sua inquietante manipulação. Haneke, prende habilmente os espectadores com o mistério das cassetes vídeo que o casal Daniel Auteil /Juliette Binoche (Georges e Anne Laurent, ele apresentador, com sucesso, de programas de cultura na TV, ela editora) recebe com imagens da sua vida, mas o tema principal é a importância crescente das imagens (muitas falsas) na vida das pessoas, muito por via da TV, e porque muito do que vemos é criminosamente manipulado, seja para fins políticos – os protestos, as manifs, de esquerda que não são mostradas ou apenas parcialmente, a censura às posições dos partidos comunistas, as imagens fabricadas nas centrais de desinformação, de acontecimentos inventados ou empolados – casos conhecidos da Roménia, Jugoslávia, Iraque, Tienamen, etc, etc, - para preparar a opinião pública para as eventuais agressões militares, em que serão chacinadas milhares de pessoas entre a população civil, para substituir governos por outros mais favoráveis à estratégia imperialista.
Haneke, embora não se referindo directamente à manipulação de carácter político, mostra no entanto como Daniel Auteil (Georges Laurent) manipula, no estúdio, durante a montagem do programa, as conversas de fundo cultural que tem com os seus convidados, só deixando passar aquilo que ele considera importante para a maneira como ele próprio vê a vida política, social e cultural.
Por outro lado, se Georges Laurent procura manter escondido (caché) o seu passado, mesmo da sua família mais chegada – a mulher, a mãe, o filho - a sua vítima do passado, não consegue esquece-lo e por isso não perdoa. E isso tem muito a ver com as consequentes tensões sociais, que não raro explodem em enorme violência, entre comunidades.
O filme mostra também ao que conduziu a paranóia da comunicação (TV, telemóveis, SMS, Internet, correio electrónico) levando à maior das solidões nas grandes urbes, de que a personagem Pierrot, o adolescente, filho do casal, nos dá uma inquietante amostra, bem nossa conhecida infelizmente, se olharmos à nossa volta, em tantas famílias.
É difícil em poucas linhas falar desta obra admirável, dados os problemas e as questões que levanta.
E, já que as imagens são soberanas nesta obra, não há nela música! E não vejo isso referido nos artigos dos nossos escribas! Talvez porque as imagens são de tal modo obcecantes que não se dê pela necessidade de música…
Resta falar na excepcional interpretação de dois grandes actores – Auteil e Binoche.
Quanto à recepção da crítica (?) portuguesa, a mais retrógrada e posicionada ideologicamente na extrema-direita (Eurico de Barros, Pedro Mexia, …) “chumba”, sem surpresa para nós, a obra. Podia ser de outra maneira? *****
King Triplex, 20jan06

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